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Rui Barbosa

Ao contrário do que se imagina, Rui Barbosa quase nunca usava bengala. Carregava, sim, um guarda-chuva de cabo de ouro e um livro debaixo do braço para ler no trajeto de bonde ou carruagem. Só calçava botinas pretas ou marrons, de número 36, e não usava jóias, exceto o relógio de ouro, dentro do qual carregava um retrato da esposa, Maria Augusta - com quem foi casado durante 47 anos e teve cinco filhos -, e a aliança. A baixa estatura - 1,58m - e os 48 quilos, além do volumoso bigode branco e da ligeira curva na coluna, faziam do jurista um verdadeiro João José Barbosa em miniatura.

Foi com o pai que o menino aprendeu as técnicas de eloquência que lhe foram tão úteis. O vozeirão, que ninguém compreendia como fora parar naquele corpo franzino, ajudava muito em seu desempenho nas tribunas. Dominando como poucos o ofício de orador, o jurista baiano (nascido em Salvador, a 5 de novembro de 1849) encantou e causou inveja a muita gente. Discursando na Câmara, no Senado ou em praça pública - como fez nas três vezes em que falou aos soldados recém-chegados da Guerra do Paraguai, em 1869 - provocava aplausos intermináveis.

"Você é muito Rui!" Durante anos, este foi o maior elogioque alguém poderia fazer a um amigo. A expressão foi moda no Brasil e o nome do jurista era sinônimo de inteligência, astúcia, brio. Nada mais justo: a erudição de Rui lhe deu a capacidade de falar, com fluência, inglês, italiano, espanhol, alemão e francês. Desde menino a família tinha certeza de que ele seria um gênio da raça. Aos cinco anos, aprendeu a analisar orações e conjugar verbos e, aos dez anos, tinha lido alguns dos clássicos da literatura, além de declamar trechos de Camões. Na Faculdade de Direito do Recife - onde cursou os dois primeiros anos, até transferir-se para a Faculdade de Direito de São Paulo, desconsolado com uma nota baixa -, gastava parte do dinheiro que o pai mandava comprando velas, usadas para estudar nas madrugadas que varava. Quase diariamente, ia às livrarias bisbilhotar e comprar os 35 mil livros que hoje enchem as estantes da Fundação Casa de Rui Barbosa, antiga residência do jurista baiano, em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro.

O adolescente, que precisou esperar um ano até completar os 16 suficientes para o ingresso na faculdade, era um defensor das liberdades individuais. Depois de exercer dois mandatos de deputado pela Bahia, enquanto lutava com unhas e dentes pela República e, mais ferozmente ainda, pela abolição, ganhou destaque na nova cena republicana com os cargos de vice-chefe e ministro da Fazenda do governo provisório.

Depois da abolição, ex-proprietários de escravos exigiram do governo indenizações astronômicas. Para evitar que o tesouro da União fosse onerado em benefício dos fazendeiros, mandou queimar todas as provas existentes. No despacho que negava o pedido de indenização, escreveu uma única frase e foi aplaudido pelos abolicionistas: "Mais justo seria se pudesse descobrir meio de indenizar os escravos."

Mas foi seu papel na elaboração da Constituição de 1891, a primeira da República, que o transformou em personagem célebre da História do Brasil. Em reuniões ministeriais diárias, liderava as discussões sobre o conteúdo da Constituição. À noite, depois de redigir os termos, encontrava-se com o presidente marechal Deodoro da Fonseca. Após ouvir atentamente as palavras do jurista, o presidente dava sua aprovação. "Quer dizer que eu não poderei fechar o Congresso?" Rui advertiu que, segundo a Constituição, o presidente não teria este poder. Desdenhando a resposta, Deodoro avisou: "Pode pôr isso aí. Eu vou fechar mesmo." Dito e feito. Rui foi contra e demitiu-se.

Era movido por um incomum senso de justiça. Bastava falar em violação de direitos que ele estava lá. Defendeu muitos adversários, sem pedir nada em troca. Com Floriano no poder, Rui pediu habeas-corpus em favor dos presos políticos. Libertou os perseguidos, mas foi também vítima das arbitrariedades do presidente, que fechou o Jornal do Brasil, do qual tornara-se sócio em 1893. Incomodado, exilou-se na Inglaterra, onde ficou pouco mais de um ano.

Motivos para cobrir-se de glórias teve mesmo quando participou, em 1907, da Conferência de Paz em Haia, na Holanda. Tornou-se nossa Águia de Haia e capitalizou o sucesso candidatando-se à Presidência da República, em 1909. Correu o País em campanha e esteve perto da vitória, mas foi derrotado pelo marechal Hermes da Fonseca. Contestou o resultado das eleições, foi mais uma vez vencido e candidatou-se novamente em 1919. Desta vez, reconheceu a legitimidade do processo eleitoral e a vitória de Epitácio Pessoa nas urnas.

Membro da Academia Brasileira de Letras desde 1908, nos últimos anos de vida os inimigos cederam às virtudes do jurista e acenaram com a bandeira branca. O corpo frágil, que na infância escapou de uma epidemia de cólera em Salvador, sucumbiu a uma toxemia (intoxicação do sangue). Rui Barbosa faleceu no dia 1o. de março de 1923 e seu caixão foi carregado nos ombros do povo.